Agora vou citar algumas situações ”saia justa”, situações que podem ser constrangedoras, e como lidar com esses momentos:

↪ Armas de fogo - a gente já coloca no nosso contrato que antes da organização devem ser retirados do espaço que será organizado: jóias, objetos importantes, dinheiro e armas de fogo, porque a gente não mexe com isso. Mas 99% dos casos não tira nada e a gente encontra todas essas coisas lá. Então, muito cuidado enquanto você estiver organizando, principalmente os espaços mais altos como o maleiro, por exemplo. Não só passe a mão para ver se tem algo dentro. Pegue uma escada para olhar o que tem lá dentro, porque em uma dessas vem uma arma. Se você olhar, de repente já vê o que é e na hora já para tudo, chama a pessoa responsável pela organização e pede para ela retirar do local ou, se ela preferir, você não vai mexer na parte de cima. Você já dá essas duas opções para a pessoa: ou você não mexe na parte de cima ou ela retira o que está lá.

Talvez ela peça para você nem organizar aquela parte, mas se ela pedir para você pegar e entregar a ela, diga que não pode pegar. Diga que faz parte do seu trabalho e você não pode pegar a arma de uma outra pessoa. 

Imagina só que sério! Sabe lá o que aconteceu ou o que pode acontecer com aquela arma. Então, cuidado quando você for organizar, principalmente essas parte de cima do armário ou fundo de gaveta. Mas fundo de gaveta a gente consegue ver com mais facilidade, né? Normalmente é nas partes de cima que a gente tem mania de querer só passar a mão para ver se tem alguma coisa.

Uma certa vez, eu organizei uma parede inteira de armas brancas, mas não foi exatamente eu quem executou a organização. Nessa ocasião eu fui organizar uma pós-mudança e vi que haviam algumas caixas com facas, espadas, essas coisas. Aí chamei o dono e avisei que eu não poderia organizar. Mas ele pediu a minha ajuda para organizar todas em uma parede. Então eu disse a ele que eu poderia ajudar apenas com a ideia de como organizar, mas quem teria que fazer tudo era ele. Ficou lindo e ele adorou, mas eu não toquei em nada.

↪ Objetos sexuais - encontramos muitos e é normal. Se a gente leva de uma forma normal, as pessoas levam de uma forma normal. É só não fazer uma cara de espanto. Agora se você faz uma cara de espanto e até mesmo um escândalo, as pessoas ficam constrangidas e não sabem o que fazer. E a gente não quer constranger as pessoas. No fundo, o que eu preciso saber? Se é uma coisa de muito uso ou pouco uso, se ela quer que separe para as crianças não alcançarem, se organiza por tamanho ou por cor, se ela quer que categorize… enfim, a gente só quer saber como organizar e ponto. Então, se encontrar, separe e pergunte discretamente para a dona depois como deve organizar. Deixe claro para ela que você só precisa saber de que forma ela quer que você organize. Quanto mais com naturalidade você tiver, mais natural vai ser para a pessoa também. Dependendo da quantidade você também pode sugerir organizadores para esses itens. 

↪ Fantasias - é a mesma coisa! É só perguntar se a pessoa quer que deixe exposto ou escondidinho, numa caixa ou em um lugar mais alto. Você pode dar algumas sugestões de organização e ver como a pessoa vai receber. Lembrando que quanto mais natural você for, mais tranquilamente a pessoa vai receber. 

↪ Roupa suja - a gente encontra muita roupa suja. Não se assuste! Às vezes é porque a pessoa está meio perdida no controle daquela quantidade de roupas, às vezes ela perdeu um pouco o controle do manejo da casa. Então, pode acontecer da gente encontrar calcinha borrada (estou sendo bem sincera com vocês, ok?), blusa com amarelado sujo, suada, fedendo, calça com barra suja, coisas que a gente realmente vê que está sujo. Aí, normalmente o que eu pergunto para o cliente é: "Olha, eu estou encontrando algumas peças sujas. O que você gostaria que eu fizesse?”. Aí eu pego alguns dos itens que eu encontrei e mostro para a pessoa. Isso porque eu preciso entender se a pessoa considera aquilo sujo e não sabia que estava dentro do armário dela. Normalmente, quando é esse o caso, ao ver isso ela vai ficar apavorada e sem entender como aquilo foi parar lá e já pede pra botar tudo no cesto de roupa suja para lavar. 

Mas você também precisa ver se a pessoa é assim. Às vezes ela é desorganizada e porca. E aí ela só vai ficar organizada mas vai continuar porca. A gente vai levar organização mas não tem como ensinar higiene para pessoa, né? Então, ela vai falar assim: “ah, não. Isso aí é porque eu usei uma vez só e eu uso mais vezes a blusa. Se encontrar assim, pode dobrar e colocar de novo no armário”. Cara blasè, de luva, você dobra, tenta esconder a sujeira e coloca de volta no armário. Simples assim. 

↪ Drogas - se você estiver organizando e encontrar drogas ilícitas, se for no quarto da pessoa que contratou você, vai ser aquilo: quanto mais natural você levar, mais natural a pessoa vai levar. Eu já encontrei em diversas situações dentro de bolsas, dentro de caixinhas. E cuidado, né? Você vai querer entender o que é mas não vai cheirar, né? Você pega, olha e pergunta naturalmente pra pessoa: “Encontrei essas coisinhas aqui. Como você quer que a gente guarde?”. A pessoa é que normalmente vem com uma cara tipo “ai, meu Deus, ela encontrou”, mas quando ela vê que a gente está levando com naturalidade, ela devolve com naturalidade.

Uma vez eu encontrei em várias bolsas da cliente vários pacotinhos de maconha e coisas relacionadas. Juntei tudo, coloquei em uma caixinha e falei assim para ela: “Olha, eu encontrei várias coisinhas bem iguais em várias bolsas e juntei aqui nessa caixinha. Tirei de dentro das bolsas porque estava tudo sujo e limpei as bolsas antes de guardar. Onde você quer guardar isso aqui?” Aí ela respondeu: “Não. Pode deixar. Isso aqui eu vou guardar ali na minha gaveta.” Pronto! Foi esse o nosso papo. O que aconteceu depois, não me interessa. 

Mas também já aconteceu de eu encontrar no meio de uma mudança, dentro da mochila do filho da dona da casa. A gente estava organizando o armário do filho de quem me contratou e tinha droga na mochila dele. E aí a gente fica naquela “saia justa”, né? Fica aquela coisa de “sou profissional, mas também sou mãe”. Mas ao mesmo tempo não me convém esse pensamento porque não tenho nada a ver com isso. Estou entrando em uma intimidade que o menino não me permitiu. A mãe contratou essa mudança e a gente pegou o quarto dele quase como um extra. Então eu deixei a mochila do jeito que estava. 

Eu entendi que eu não tinha nada a ver com aquilo. Eu não sei o que aconteceu depois, mas naquele momento eu entendi que eu não tinha que me meter. Assim como também já houve casos em que eu me meti. Vai muito da nossa intuição, do nosso coração.

Eu já organizei uma casa em que eu acabei indo frequentemente lá depois do primeiro projeto, porque segui dando treinamento para as funcionárias. E eu observei que o filho mais novo da dona da casa estava regredindo no crescimento. Ela mesmo havia comentado que ele voltou a fazer cocô nas calças, que ele estava com muito medo. Mas até aí, tudo bem. E eu percebi que uma das empregadas tinha muita implicância com a babá. Fiquei de olho porque a gente sabe que às vezes isso acontece mesmo. Mas permaneci prestando atenção e eu percebia que a babá era irredutível quando a gente ia treiná-la, enquanto a empregada era super aberta ao treinamento. Mas a empregada sempre parecia estar tentando me contar algo sobre a babá. 

Até que, um belo dia, eu peguei a babá batendo no menino. E eu não sabia o que fazer! Eu nem era mãe nessa época. Eu lembro que eu voltei para casa sem saber o que fazer. Porque a família confiava extremamente na babá. A família tinha dado casa para ela, pagava uma baita escola para o filho dela, a família fazia tudo por ela. Eles nunca iriam acreditar em mim. 

Aí, no dia seguinte eu tinha que ir lá levar alguma coisa. Eu fui rapidinho e quando eu cheguei só a empregada estava lá. Quando eu cheguei a empregada já perguntou:  “Você viu, né? Foi tudo o que eu sempre quis te contar”. Eu não queria me meter. Eu entreguei o negócio para ela e fui embora. Mas fui embora com aquela coisa dentro de mim, sabendo que eu não podia deixar as coisas assim. Eu sabia que aquela pessoa passava o dia inteiro com aquelas crianças. Então eu tomei a decisão de ligar para a cliente. Eu sabia que a casa dela tinha câmeras. Eu resolvi contar o que eu tinha visto, pedi para que ela avaliasse, falei para ela que eu não queria continuar com o trabalho, que ela considerasse somente até ali e que talvez eu tivesse até que devolver algum valor por questão de adiantamentos que ela tinha feito. Na época eu estava precisando muito de grana, mas eu não podia continuar trabalhando com aquela família. 

Eu achei até que ela não acreditaria em mim e que era melhor eu só encerrar o trabalho.  

Mas eu falei: “eu vi isso, eu não sei até que ponto isso acontece, mas estou falando isso como um alerta e acho que vale uma avaliação. Se eu fosse mãe eu iria gostar de saber e avaliar o que está acontecendo. Eu prefiro parar o meu trabalho por aqui porque eu não sei se eu consigo mais, eu não sei se vocês vão acreditar em mim”.

Eu fiquei muito atordoada na época. Eu falei isso tudo para ela e ela não entendeu muito bem. Ela disse: “não, Priscila… Eu não sei… É muito estranho isso acontecer. Eu acredito em você, mas isso é muito estranho. Mas tem um jeito de a gente ver isso. Eu vou puxar as câmeras”. 

Aí ela me disse que estava tudo bem, que eu podia ficar tranquila e que a gente voltaria a conversar em breve.

Ela é uma mulher sensacional. Isso aconteceu há anos e a gente organiza a casa dela até hoje.

Cerca de 15 dias depois daquela conversa, ela me liga e diz: “Priscila, eu queria te agradecer pelo que você me falou. Naquele momento eu saí irada, eu não sabia o que fazer. Eu liguei para o meu marido, a gente foi para um restaurante, conversamos bastante. Eu não sabia mesmo o que fazer. Eu estava irada mas, ao mesmo tempo, eu não sabia se aquilo era verdade, se eu estava com raiva de você, se você estava certa ou errada e então eu resolvi puxar as câmeras. Meu marido e eu ficamos muito tempo olhando as câmeras e eu descobri cada coisa dela…”

Enfim! Eu não vou entrar em detalhes, mas ela descobriu coisas horríveis sobre a babá, sobre a família da babá, sobre a casa que ela tinha dado para ela. Ela descobriu muita coisa. Descobriu também tudo o que a babá fazia com o filho dela. Provavelmente era por isso que o menino estava regredindo, voltando a fazer cocô nas calças, voltando a ter medo à noite, querendo dormir com os pais.

Ela demitiu essa babá. E me ligou um outro dia pedindo que eu fosse lá para a gente conversar. Bom, podia ter dado tudo errado, podia não ter sido nada daquilo que eu vi, ela podia ter ficado com ódio de mim. Mas naquele momento eu senti que era aquilo que eu precisava ter feito. Eu senti que eu não ia conseguir botar minha cabeça no travesseiro e dormir tranquila se eu não tivesse contado para a minha cliente. 

Quando eu liguei para ela, eu pensei muito nisso. Se ela ficasse com ódio de mim, pelo menos eu teria tentado fazer a coisa certa.  

Certo ou errado na verdade não tem. Mas eu estou contando esses casos aqui para você porque eu acho que tem momentos em que a gente tem que usar um pouquinho a nossa intuição, usar um pouquinho o nosso coração e entender que a gente está entrando na intimidade das pessoas e que, às vezes, a gente vai ver coisas que vai ter que engolir, às vezes a gente vai ter que ajudar, às vezes a gente vai ter que se meter não só como profissionais, mas como seres humanos, porque eu acho que eu faria isso por qualquer pessoa e não só pela minha cliente.

Essa cliente a gente já fez mais quatro mudanças dela dentro de 6 anos. O filho dela, que era pequenininho, já tem 8 anos. Ela se muda muito e confia na gente de olhos fechados. Criou uma relação de muita confiança, não só por causa desse acontecimento, mas acho que isso também ajudou. 

↪ Documentos "estranhos" - esse último ponto aqui pode se tornar até algo comprometedor. Por exemplo, uma certa vez me chamaram para organizar uma casa. Quando eu cheguei lá para fazer o orçamento, tinham quatro carros da Polícia Federal na porta. Eu não estava conseguindo entrar no condomínio e só recebi uma mensagem dizendo: “Não vai dar para a gente se encontrar hoje. Volta amanhã. Tem um pessoal aqui na minha casa.” 

Da entrada do condomínio dava para ver a casa dela e era exatamente a casa onde estava a Polícia. Estava acontecendo uma “busca e apreensão” na casa dela e estavam recolhendo tudo. Celular, documento, impressora, passaporte, dinheiro, quebrando parede e pegando dinheiro de lá. Enfim, era uma das pessoas que estavam envolvidas com a “Lava a jato” e que estava tentando me contratar para organizar documentos no escritório dela. O tipo de documento que era, eu não sei. Calhou de eu chegar lá no dia em que a PF estava na porta dela e depois nem rolou a organização. Mas, e se isso acontecesse alguns dias antes? Vai que a pessoa fala assim: “tá vendo esse monte de documentos? Pega tudo e taca fogo, rasga.” Cuidado, né? A gente já aprendeu que a gente não descarta nada. Você organiza e separa tudo para a pessoa. O que ela vai fazer com aquilo eu não sei. Se ela quiser fazer uma fogueira e jogar tudo lá, é problema dela e não seu. E aí você não se compromete. Mesmo que tenha uma Polícia Federal no meio, você não tem nada a ver com isso. Você foi apenas prestar o serviço de organizar aqueles documentos. 

Presta atenção nessas coisas! Às vezes é aquele cliente que pede para você picotar um documento, taca fogo, coisa pouca. E aí tem uma câmera gravando e depois a PF vem falar com você sobre queima de arquivo. 

Então, não se comprometa. Quando titia fala lá atrás que não é para tacar fogo e nem picotar nenhum documento, não é só porque a nossa hora é cara, mas para você não se comprometer com isso.